Clara Maria
Dos olhos verdes e dos dentes brancos
Da tez imaculada e dos cabelos longos
O corpo enxuto
Vigia o marido numa conferência de advogados
do outro lado do mundo
Clara Maria também advoga
quando queria ter sido pedagoga
Seu tempo é gasto controlando um macho
Com cara de tacho, pega a taça de vinho
E devaneia
“Clarinha, senta direito, tá amassando os babados.”
Sua mamadeira tem vitaminas
Emenda a creche com o balé
Faz natação, aprende francês
A babá vai buscar na equitação
Nota baixa não é opção
“Clarinha, vai comer mesmo esse pão? Já é o segundo. E esse bracinho gordo?”
Não se olha mais no espelho sem socar no quadril
a gordura que insiste em ver sob a pele grudada nos ossos
Todas as férias na Disney ou na Europa
Conhece a Toscana, mas não conhece a Tijuca
“Clarinha, cuidado com o sol, sua pele está ficando muito escura.”
Com as roupas da moda
No lugar em voga
Os filmes du jour na ponta da língua
Não há evento social em que ela não saiba o que dizer
Mas seu verdadeiro amigo é filho de uma empregada do Alto Leblon
Um frisson
Intercâmbio foi a solução
Todos os namorados são um só
A mesma bermuda com a mesma camisa polo
O mesmo carro
O mesmo encontro
A mesma foda
As mesmas festas
e férias
e manias
O mesmo fim
Hábitos caros, viajada, culta
Renegando carboidratos
Ela vive
“Clarinha, você já tem vinte e oito anos. Se não casar logo, vai ficar tarde para ter filhos.”
Álvaro apareceu na última badalada
Os três filhos que tiveram completaram a cartela
do bingo pessoal dela
Resta agora a manutenção
Homens casam esperando uma combinação
de mamãe, puta, empregada/cozinheira
Quem terceiriza esse último vértice tem que amplificar os demais
Para ela, que
mantém o escritório
mantém a casa funcionando
mantém os compromissos
mantém o viço
mantém o peso
mantém as aparências
não dá mais
“Clarinha, vou pagar sua passagem para ir com o Álvaro. Tem que ficar em cima; as mulheres nesses lugares são um perigo.”
É o fundo do copo
Clara Maria reprime o choro para não vincar as rugas
Adorei! Que ritmo!!!