Quando pequena, odiava meu sobrenome Teixeira. O som do xis me incomodava: é o que sai da boca que nos cala, o apito da panela de pressão na ânsia de impedir a explosão, o rasgar do papel, o sibilar da cobra, perigo, perigo!
Era uma raiva inexplicável; ficava cabisbaixa quando era obrigada a assinar com esse nome. Já quis experimentar outro som: Teikseira. Parecia grego, exótico no Brasil; o diferente sempre me atraiu. Ou então grafar Teischeira. Tão alemão; só que não. Até um Tejeira hispânico já foi opção, desde que não fosse português. Porque o eurocentrismo cafona era muito comum no Brasil, mas Portugal não era visto como Europa; nem pelos brasileiros, nem pelos portugueses.
O sobrenome vem do teixo, uma árvore como as de tantos outros “cristãos novos”; mas minha árvore é toda tóxica. Ah, a polissemia: minha árvore é toda tóxica. Sim, por ser tão tóxica, na mitologia essa árvore milenar aparece associada à morte. É um tipo de conífera cuja semente se protege com um simulacro de fruto, acepipe de pássaros e única parte não letal. Perigo, perigo!
Mas ela também é considerada protetora e sagrada, usada em armas de deuses, longeva, símbolo de renascimento e resiliência, pois qualquer de suas partes, ainda que venenosa, se plantada produz vida, um novo teixo.
E com a vida fui entendendo que morte é parte dela, da vida, e dele, do teixo, que também tenho veneno e sou um perigo, mas também sou sagrada e protejo quem — e somente quem — enxerga minha mitologia; que essa complexidade é o elixir da existência interessante; que Portugal e Brasil, antes de estarem no mundo, estão em mim, e que o xis, outrora um enxerto mixuruca de xenofobia contra meu ser que precisava ser enxotado, agora mexe comigo, evoca a luxúria da sonoridade forte, resiliente — sagrada; uma xilogravura expressiva. Sou um rouxinol arroxeado trinando bruxarias ao pé de um caixão.
E Portugal, que às vezes é xenófobo e pode ser chenófobo, mas raramente é schenófobo — quem diria — usa xis até onde não tem: aqui se naxe, vai-se à pixina, enumera-se seixete. Como esses chiados também naxem de outros dígrafos, por que não usá-los todos? E misturá-los? Os shenófobos chungas não gostam de misturas, costumam chispar-se e marchar até Luschemburgo ou Países Baixshos. Até a Xhina vira opção; já a travessia do Canal da Manxa virou um abacaxi.
Então oxalá esse fonema retome seu lugar no meu coração. Me deixem xeretar o chilrear dos xexéus. Quero explorar a xepa, a mixórdia, remexer na baixaria para depois relaxar no luxo. Sou uma gueixa coxa, com enxoval de xales, que dá vexame de Xerém ao México e cura a enxaqueca com uma xícara cheia de xarope. Fora do eixo. Como o teixo. Teixeira. Xeque-mate.
Este é um texto bissexto, travestido, um pretexto.
Digo, taxativa: um desleixo.
Mas tenho paixão por texto xexelento.
“Então oxalá esse fonema retome seu lugar no meu coração. “
Feliz 45 anos sendo Teixeira, nesse dia de hoje!
Muita Saúde e Paz!
Xelente!